As farmácias de manipulação têm respaldo legal para comercializar e dispensar medicamentos isentos de prescrição médica (MIPs), conforme previsto na legislação vigente e nas normas técnicas do Conselho Federal de Farmácia (CFF). Essa permissão inclui a manipulação, exposição e venda desses produtos, inclusive por meio de plataformas digitais, em consonância com os princípios constitucionais da livre iniciativa, do livre exercício profissional e da livre concorrência.
Contudo, em fiscalizações, tem-se interpretado que a venda de MIPs por canais eletrônicos caracteriza-se como propaganda, ainda que haja previsão legal para o comércio eletrônico de medicamentos. Tal entendimento levanta controvérsias, especialmente quando se trata da imposição de restrições a direitos fundamentais. Sempre que uma agência reguladora estabelece regras que limitem ou restrinjam o exercício de atividades dentro do setor sanitário, é indispensável que tais restrições sejam devidamente justificadas, com base em riscos à saúde pública, segurança no processo de manipulação, responsabilidades profissionais e garantias de qualidade.
Importante destacar que normas regulatórias não podem criar vedações não previstas em lei. Regulamentos existem para complementar e viabilizar a aplicação da legislação, especialmente em aspectos técnicos, conforme dispõe o art. 84, inciso IV, da Constituição Federal. Não há, entretanto, qualquer preceito legal que proíba expressamente a manipulação ou comercialização, por farmácias, de medicamentos isentos de prescrição, tampouco que condicione essas atividades à apresentação de receita médica.
Dessa forma, devem prevalecer os princípios constitucionais da legalidade (art. 5º, II, da CF), livre iniciativa (arts. 1º, IV, e 170, caput), livre exercício profissional (art. 5º, XIII) e liberdade econômica (art. 170, parágrafo único).
No que se refere à propaganda comercial de medicamentos, o art. 220 da Constituição determina que eventuais restrições só podem ser impostas por lei federal, nos termos dos §§ 3º e 4º. Assim, qualquer limitação à comunicação comercial de medicamentos só será legítima se prevista em lei federal, não podendo ser originada apenas de normas infralegais editadas por agências reguladoras, como a Anvisa.
Com efeito, a Lei nº 9.294/1996, que trata sobre a propaganda de produtos como medicamentos, tabaco e bebidas alcoólicas, já regulamenta o tema de forma expressa, com base no próprio art. 220 da Constituição. Ainda que estejam sujeitas às normas técnicas da Anvisa, a propaganda de medicamentos de venda livre, bem como de cosméticos e produtos de higiene, é legalmente permitida, devendo apenas seguir os critérios estabelecidos pela autoridade competente, sem extrapolar os limites legais.
Permitir que a regulamentação infralegal ultrapasse a função de complemento técnico para se tornar verdadeira criação de obrigações legais, como a proibição de publicidade ou comercialização eletrônica, representaria clara violação ao princípio da legalidade.
Diante desse cenário, diversas farmácias têm buscado amparo judicial para garantir o exercício legítimo de suas atividades, especialmente no comércio eletrônico de medicamentos que utilizem insumos isentos de prescrição, acompanhando a evolução tecnológica e os novos hábitos de consumo da população.
Curitiba-PR, 17 de setembro de 2025
Flávio Mendes Benincasa
OAB/PR 32.967, OAB/SP 166.766, OAB/MG 164.652, OAB/RJ 223.449, OAB/DF 61.671, OAB/MS 29.802-A, OAB/GO 68172 e OAB/CE 50168-A