Blog Farmácia Postado no dia: 3 agosto, 2023

A captação e intermediação de receitas entre farmácias

O assunto é antigo, mas a indignação do setor farmacêutico ainda continua. E quem se beneficia com a proibição da intermediação e captação de receitas?

O processo de captação de receitas funciona da seguinte forma:

O paciente se dirige ao estabelecimento escolhido com a receita do medicamento prescrito pelo profissional habilitado em mãos, entrega para o profissional farmacêutico que, por sua vez, encaminha para a farmácia de manipulação elaborar o medicamento nos exatos moldes prescritos pela receita.

Após o medicamento finalizado, o farmacêutico da manipuladora encaminha o medicamento à drogaria em que o paciente fez a solicitação, e então o farmacêutico da drogaria realiza a dispensação do medicamento ao paciente.

A Lei 5991/73, em seu artigo 36, §1º, traz a seguinte vedação:

“É vedada a captação de receitas contendo prescrições magistrais e oficinais em drogarias, ervanárias e postos de medicamentos, ainda que em filiais da mesma empresa, bem como a intermediação entre empresas.”

A alteração do artigo ocorreu em 2014, através da Lei 13.021/2014 e em para deixar mais didático, vamos esmiuçar todos os conceitos trazidos no referido artigo:

Preparação magistral: é aquela preparada na farmácia, a partir de uma prescrição de profissional habilitado, destinada a um paciente individualizado, e que estabeleça em detalhes sua composição, forma farmacêutica, posologia e modo de usar. (RDC 67/2007);

Preparação oficinal: é aquela preparada na farmácia, cuja fórmula esteja inscrita no Formulário Nacional ou em Formulários Internacionais reconhecidos pela ANVISA. (RDC 67/2007);

Drogaria – estabelecimento de dispensação e comércio de drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos e correlatos em suas embalagens originais; (Lei 5991/73);

Ervanaria – estabelecimento que realize dispensação de plantas medicinais; (Lei 5991/73);

Posto de medicamentos- estabelecimento destinado exclusivamente à venda de medicamentos industrializados em suas embalagens originais e constantes de relação elaborada pelo órgão sanitário federal, publicada na imprensa oficial, para atendimento a localidades desprovidas de farmácia ou drogaria; (Lei 5991/73)

Farmácia – estabelecimento de manipulação de fórmulas magistrais e oficinais, de comércio de drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos e correlatos, compreendendo o de dispensação e o de atendimento privativo de unidade hospitalar ou de qualquer outra equivalente de assistência médica; (lei 5991/73)

Mesmo não tendo citado a farmácia no trecho da proibição citada acima, é importante trazer a sua conceituação para o deslinde do presente artigo, mesmo que a farmácia possua como filial uma drogaria, por exemplo, mas as prescrições de medicamentos industrializados podem ser captadas e intermediadas entre farmácias, drogarias e qualquer outro estabelecimento congênere.

Importante esclarecer a diferença entre Drogaria, que é o estabelecimento que não realiza a manipulação de produtos e medicamentos e a Farmácia, que possui uma atividade mais ampla, podendo realizar as atividades da Drogaria, mas que também manipula produtos e medicamentos.

Dessa forma verifica-se que houve somente a proibição da captação e intermediação de receitas oficinais e magistrais, ou seja, as prescrições utilizadas pelas farmácias de manipulação.

Será que a proibição realmente tem o objetivo de proteger a saúde pública ou somente a saúde financeira das grandes indústrias?

O parágrafo segundo do artigo 36 da mesma Lei, existe uma outra proibição, mas podemos entender também como uma exceção do parágrafo anterior:

“É vedada às farmácias que possuem filiais a centralização total da manipulação em apenas 1 (um) dos estabelecimentos.”

Como visto no parágrafo primeiro do artigo 36, não existe proibição de captação e intermediação de receitas magistrais e oficinais entre farmácias de manipulação, somente proibindo que essa atividade seja realizada entre empresas.

Dessa forma, pode sempre haver a intermediação e captação de receita entre farmácias de sejam filiais?

Nem sempre. Conforme se verifica no parágrafo segundo, não pode haver a centralização total da manipulação em apenas um dos estabelecimentos, assim, as empresas que possuem duas farmácias, por exemplo, não pode utilizar um dos estabelecimentos somente para captar as receitas, ele deve ter o estabelecimento em funcionamento, para que não ocorra a centralização total.

Assim, a Lei esclarece que é permitida a captação e intermediação de receitas magistrais e oficinais entre farmácias, que pertençam a mesma empresa, desde que não centralize a manipulação em apenas um dos estabelecimentos.

A proibição da captação e intermediação de receitas magistrais e oficinais protege a Saúde Pública?

A Lei 13.021/2014 traz a obrigatoriedade da presença do farmacêutico durante todo horário de funcionamento. Cita também que cabe ao farmacêutico, na dispensação de medicamentos, visando a garantir a eficácia e a segurança da terapêutica prescrita, observar os aspectos técnicos e legais do receituário.

Assim, no caso de ocorrer a captação de receita em uma Drogaria, a receita seria avaliada por pelo menos dois farmacêuticos – o da Drogaria que recebeu a prescrição e irá dispensar o medicamento, observando os aspectos técnicos e legais do receituário e pelo farmacêutico da farmácia que é responsável pela supervisão da manipulação e pela aplicação das normas de Boas Práticas, que deve possuir conhecimentos científicos sobre as atividades desenvolvidas pelo estabelecimento, previstas na RDC 67/2007 da Anvisa.

Não há qualquer prejuízo no rastreamento do medicamento, que contará com a responsabilidade da farmácia manipuladora, conforme todos os dados obrigatórios que consta no rótulo do medicamento como da Drogaria que realiza a dispensação do medicamento, sem contar que com a maior capilaridade dos estabelecimentos farmacêuticos e dispensários favorece o consumidor, pois aumenta a concorrência com reflexo no preço dos produtos, além de possibilitar acesso a uma maior gama de produtos.

Conclui-se que a proibição da captação de intermediação e captação de receitas magistrais e oficinais cria uma reserva de mercado, favorecendo a indústria, em prejuízo às farmácias de manipulação, que vai contra a Garantia de Livre Iniciativa e Livre Concorrência, previsto no artigo 4º da Lei 13.874/2019 e no artigo 170 da Constituição Federal.

 

Flávio Mendes Benincasa
OAB/PR 32.967, OAB/SP 166.766, OAB/MG 164.652, OAB/RJ 223.449, OAB/DF 61.671, OAB/RN 20687-A, OAB/GO 68172 e OAB/CE 50168-A