É comum constatarmos a notável lentidão no julgamento de processos administrativos, seja em procedimentos éticos disciplinares, nas fiscalizações conduzidas pelas Vigilâncias Sanitárias ou mesmo nos bloqueios impostos pela União no âmbito do programa Farmácia Popular. Diante dessa realidade, surge uma indagação fundamental: há prazos legais para a aplicação de penalidades administrativas?
A resposta é afirmativa e encontra amparo na legislação específica. A Lei nº 9.873, de 23 de novembro de 1999, disciplina os prazos prescricionais para o exercício da pretensão punitiva estatal, estabelecendo, em sua regra geral, um período de cinco anos contados a partir da data da infração. Para que o processo administrativo seja validamente instaurado, essa iniciativa deve ocorrer dentro do referido prazo, sob pena de extinção da punibilidade. Ademais, o procedimento não pode permanecer paralisado por mais de três anos sem avanço significativo em seu julgamento, sob risco de prescrição intercorrente. Outrossim, a execução de eventual multa imposta deve ser promovida no prazo de cinco anos após o encerramento do processo administrativo.
O § 1º do artigo 1º da referida lei consagra expressamente a prescrição intercorrente, que se configura quando o processo administrativo jaz inerte por mais de três anos, pendente de julgamento ou de qualquer despacho substancial. Nesses cenários, os autos devem ser arquivados de ofício pela autoridade competente ou a requerimento da parte interessada, sem prejuízo da apuração de responsabilidade funcional dos agentes públicos responsáveis pela paralisação, o que reforça a responsabilidade administrativa e inibe a procrastinação intencional.
O artigo 2º da Lei nº 9.873/1999 elenca os atos capazes de interromper a fluência do prazo prescricional, promovendo a renovação do termo inicial para a contagem subsequente. Dentre eles, destacam-se: a notificação ou citação formal do acusado; qualquer ato inequívoco que demonstre a apuração efetiva do fato infracional; a prolação de decisão condenatória passível de recurso; e os atos de tentativa de conciliação ou mediação no âmbito da administração pública federal. Cumpre ressaltar que apenas medidas concretas de instrução probatória, de deliberação decisória ou de comunicação ao infrator possuem o condão de interromper a prescrição. Despachos de mera tramitação burocrática, como os de simples encaminhamento de peças processuais ou de mera certificação de juntada, não geram tal interrupção, preservando assim a essência protetiva do instituto prescricional contra formalismos vazios.
Portanto, conclui-se que o ius puniendi da Administração Pública não é ilimitado no tempo, sujeitando-se a balizas temporais rigorosas que visam equilibrar a persecução estatal com a segurança jurídica do administrado. As exceções a essa regra são restritas às hipóteses expressamente declaradas imprescritíveis pela Constituição Federal de 1988, notadamente os crimes de racismo (artigo 5º, XLII) e as ações praticadas por grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático de Direito (artigo 5º, XLIV), nas quais o interesse público prepondera sobre a prescrição para salvaguardar valores fundamentais da sociedade.
Em síntese, um escrutínio minucioso do histórico processual pode desvendar a ocorrência da prescrição intercorrente, invalidando integralmente o procedimento administrativo e extinguindo a pretensão punitiva. Nesse contexto, a prescrição opera não apenas como mecanismo de extinção de punibilidade, mas como verdadeira sanção à inércia estatal, garantindo ao cidadão a tutela contra sanções aplicadas em desacordo com os prazos legais e promovendo a eficiência e a celeridade que o devido processo administrativo exige. Essa análise estratégica pode ser fundamental em defesas administrativas, incentivando o advogado a monitorar proativamente os prazos para arguir a prescrição e mitigar riscos de responsabilização indevida.
Curitiba-PR, 10 de dezembro de 2025
Flávio Mendes Benincasa
OAB/PR 32.967, OAB/SP 166.766, OAB/MG 164.652, OAB/RJ 223.449, OAB/DF 61.671, OAB/RN 20.687-A, OAB/GO 68.172, OAB/MS 29.802 e OAB/ES 43.403