Blog Farmácia Postado no dia: 4 agosto, 2023

A ilegalidade da proibição da manipulação da Oxandrolona – Nota Técnica 104/Anvisa

A Anvisa proíbe, através de norma, a manipulação de medicamentos contendo Oxandrolona, alegando a ausência de avaliação de eficácia e segurança ou registro pela ANVISA, fundamento este oriundo da RDC 204/2006.

Ocorre que a interpretação das normas pertinentes ao tema, conclui-se pela inexistência de vedação de atuação da farmácia de manipulação por falta de registro de insumo e medicamentos na ANVISA, já que sua atividade não se assemelha à produção industrial de medicamentos.

A própria Anvisa, através de Nota Técnica 165/2019, explica de forma detalhada que:

“Observa-se, no entanto, a interpretação extensiva e restritiva do artigo mencionado acima que por vezes se tenta aplicar. Não há na redação vedação alguma à manipulação ou comercialização de medicamentos. Explicando o que a nós é bastante evidente, as atividades proibidas pelo art. 5º da RDC nº 204/2006 é a importação e comercialização de insumos farmacêuticos destinados à fabricação de medicamentos, atividade esta diferente da atividade de manipular, como se observa:

Manipulação: Conjunto de operações farmacotécnicas, com a finalidade de elaborar preparações magistrais e oficinais e fracionar especialidades farmacêuticas para uso humano (RDC n.º 67/2007)

Fabricação: Todas as operações que se fazem necessárias para a obtenção dos produtos abrangidos por esta Lei” (art. 3º, XI, Lei nº 6.360/76) Todas as operações envolvidas no preparo de determinado medicamento, incluindo a aquisição de materiais, produção, controle de qualidade, liberação, estocagem, expedição de produtos terminados e os controles relacionados” (art. 5º, XXIII, RDC n.º 17/2010)

Quem realiza a importação e comercialização de insumos farmacêuticos destinados à fabricação não é a farmácia de manipulação, mas sim importadores ou fracionadores de insumos. Uma vez importados ou fracionados os insumos e sendo estes destinados à manipulação, não se vislumbra na redação do referido artigo da RDC nº 204/2006 qualquer vedação quanto à sua utilização pela farmácia.

Destaca-se, também, a equivocada redação do art. 5º da RDC nº 204/2006, pois fazendo uso do nosso melhor conhecimento, a Anvisa não avalia a eficácia terapêutica de insumos isoladamente, mas sim de medicamentos. E ainda convém lembrar que a avaliação da Anvisa prevista no mesmo dispositivo não deve ser entendida como aprovação. Fosse essa a intenção, redação outra deveria ter sido utilizada.

A farmácia manipula medicamentos e os comercializa a partir da prescrição de um profissional responsável e somente após o crivo do farmacêutico. Não se deve presumir, com flagrante prejuízo cognitivo, que essa atividade seja realizada de modo irresponsável, utilizando-se dessa presunção para proibir o acesso a certos medicamentos manipulados e, de igual modo, coibir o livre exercício profissional sem a devida fundamentação técnica ou previsão legal.(…)

Ante o exposto, fica evidente que não se busca defender a manipulação de medicamentos de forma leviana, mas, ao contrário, presume-se que tal atividade é feita de forma responsável, cujos atores envolvidos são facilmente identificáveis e responsabilizados em caso de ocorrência de dano causado pelo uso do medicamento manipulado.

Ocorre que se a intenção da Agência era vedar a manipulação de medicamentos utilizando substâncias que ainda não foram submetidos ao crivo técnico da unidade organizacional competente, não conseguiu a Agência impor tal restrição com a redação dada ao art. 5º da RDC nº 204/2006, não cabendo a ela aplicar uma interpretação que, por maior que seja o grau de abstração empregado, expanda sua significação para restringir o exercício da atividade.

Persistindo o entendimento de que tal restrição deva ser empregada, é entendimento da COIME que deve a redação do citado artigo da RDC nº 204/2006 ser revisada.

Sendo assim, espera-se que com o presente documento o entendimento da COIME ao presente caso seja compreendido, além de nortear as decisões dos gestores dos mais diversos níveis institucionais.”

A nota acima é clara ao afastar a interpretação extensiva, apontando as diferenças entre as atividades de fabricação e manipulação para concluir pela inaplicabilidade da RDC n. 204/2006 às farmácias de manipulação, já que a vedação abarca apenas a importação e comercialização de insumos destinados à fabricação de medicamentos.

Assim é ilegal a proibição da manipulação da Oxandrolona pelas farmácias de manipulação, com alegação de necessidade de comprovação de eficácia e segurança.

Curitiba-PR, 02 de agosto de 2023

Flávio Mendes Benincasa
OAB/PR 32.967, OAB/SP 166.766, OAB/MG 164.652, OAB/RJ 223.449, OAB/DF 61.671, OAB/RN 20687-A, OAB/GO 68172 e OAB/CE 50168-A