Blog Farmácia Postado no dia: 31 outubro, 2022

Relevância da manipulação de ativo derivado de cannabis – socorro à saúde pública.

Dia 14 de outubro de 2022 foi publicada Resolução 2324/2022 onde o CFM limita a prescrição do canabidiol para o tratamento de epilepsias da criança e do adolescente às terapias convencionais na Síndrome de Dravet e Lennox-Gastaut e no Complexo de Esclerose Tuberosa.

A Resolução ainda proibiu os médicos de ministrar palestras e cursos do uso do canabidiol e/ou produtos derivados de Cannabis fora do ambiente científico.

A resolução elenca para quais enfermidades o medicamento pode ser utilizado e censurava os médicos de compartilharem o conhecimento adquirido com o tratamento utilizando o Canabidiol, indo de encontro inclusive com a permissão dos medicamentos off label.

A polêmica resolução foi suspensa pouco mais de uma semana após a sua publicação, mas a discussão sobre a importância do uso de canabidiol para o tratamento de diversas doenças, bem como a necessidade pública da autorização para a manipulação do insumo pelas magistrais nunca foi tão importante.

A MANIPULAÇÃO DO INSUMO DE CANABIDIOL É UMA POSSIBILIDADE PARA A MINHA FARMÁCIA DE MANIPULAÇÃO?

Atualmente a RDC 327/2019 veda expressamente a manipulação do insumo derivado ou fitofármaco de cannabis sativa. Portanto, pela resolução emitida pela ANVISA a magistral não pode realizar a manipulação dos insumos de cannabidiol, salvo se contar com decisão judicial que autoriza a manipulação.

QUAL A RELEVÂNCIA DA MANIPULAÇÃO DO INSUMO DERIVADO OU FITOFÁRMACO DE CANNABIS SATIVA?

A possibilidade de manipulação de insumos, sendo eles de uso restrito ou não, significam a personalização do melhor tratamento ao paciente. Mais importante que a qualidade do medicamento prescrito ao paciente, apenas a sua dosagem.

Via de regra, os medicamentos industrializados são fabricados com dosagens predefinidas, cabendo ao prescritor adequar a dosagem do medicamento ao paciente. No entanto, é impossível alcançar o mesmo nível de personalização de tratamento que o medicamento manipulado proporciona através do industrializado, encontrado em drogarias.

Nos casos em que o único medicamento eficaz para o tratamento é o insumo ativo fitofármaco derivado de cannabis sativa, a manipulação de fórmulas torna-se ainda mais essencial. Isto porque, como liberação para importação do medicamento ainda é muito recente, os frascos que chegam ao país, em especial ao consumidor final (paciente), chegam a custar mais de R$ 2.000,00 (dois mil reais) para pouco mais de três semanas de tratamento, tornando o tratamento completamente inviável. No entanto, quando importado e manipulado pela magistral, os medicamentos chegam ao paciente em valores bem mais acessíveis e personalizados.

E QUAL O IMPACTO DA MANIPULAÇÃO NA SAÚDE PÚBLICA?

É de conhecimento público as recentes decisões judiciais que autorizaram o plantio da cannabis sativa em casa, para alguns pacientes que precisam utilizar o insumo da planta para tratamento médico.

No entanto, cumpre esclarecer que a extração do óleo de cannabidiol é um processo extremamente complexo, que exige maquinário de ponta, profissionais especializados e uma rede de apoio muito completa, tornando a extração caseira de óleo de cannabidiol com qualidade e nas dosagens necessários um fato impossível.

O médico João Paulo Becker Lotufo, atual coordenador do projeto antitabágico no Hospital Universitário da Universidade de São Paulo, em entrevista para a Gazeta do Povo 1, afirma que “Liberar o plantio em um país que nem controla a venda de bebida alcoólica para menor idade e nem consegue impedir a venda de vapers proibidos no país é algo temerário”.

Em sentido idêntico, o psiquiatra Thiago Barbosa, responsável pela ala de psiquiatria do Centro de Atenção psicossocial em Pombal, na paraíba, ratificou que decisões judiciais dessa natureza podem ser porta aberta para a dependência química, pois pessoas que não possuem indicação de tratamento terão mais acesso à cannabis, já que a plantação não estará sob a jurisdição de um órgão regulador.

Sobre esses apontamentos, cumpre esclarecer:

O medicamento/insumo importado para a farmácia magistral, óleo fitofármaco derivado de cannabis sativa, em frascos vedados, cujo teor de THC é inferior a 0,02% não causam qualquer tipo de efeito alucinógeno, impossíveis de causar qualquer tipo de dependência, sendo um medicamento de uso controlado como qualquer outro. O mesmo não se pode dizer dos extratos colhidos de maneira caseira.

Tornar o acesso ao tratamento adequado através da manipulação de fórmulas é uma questão de saúde pública urgente, visto que a farmácia magistral proporciona medicamento de qualidade, elaborado por profissional habilitado e com custo reduzido, facilitando o acesso daqueles que não tem condição de adquirir o medicamento manipulado, evitando a automedicação ou a extração caseira do insumo que, repita-se, essa sim não conta com qualquer tipo de eficácia e segurança avaliada.

No entanto, apesar de todos os apontamentos dispostos no presente artigo, as farmácias magistrais ainda devem socorrer-se ao judiciário buscando autorização judicial para conseguir manipular o insumo ativo ou derivado fitofármaco de cannabis sativa.


Artigo 01/11/2022

Dra. Isabele Cruz – OAB/PR 110.758

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1 https://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/juizes-liberam-plantacao-de-maconha-sem-considerar-risco-intoxicacao-dependencia/?ref=link-interno-materia